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segunda-feira, 20 de maio de 2019

Direito do Consumidor: Um breve histórico

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Para melhor entender as conquistas do direito do consumidor, devemos analisar o contexto histórico das relações jurídicas entre consumidores e fornecedores de bens e serviços que culminou com o nosso atual Código de Defesa do Consumidor, o qual fora instituído pela Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990.
Mas para chegar neste ponto, devemos voltar um pouco no tempo, cerca de 2.800 a.C., para citar o famoso Código de Hamurabi, ainda na época do Império Babilônico, o qual estabelecia regras extremamente rígidas para proteção daqueles que adquiriam bens e serviços.
Como exemplo, podemos citar os artigos 229 e 233, os quais assim previam:

“Art. 229 – Se um pedreiro edificou uma casa para um homem mas não a fortificou e a casa caiu e matou seu dono, esse pedreiro será morto.”

“Art. 233 – Se um pedreiro construiu uma casa para um homem e não executou o trabalho adequadamente e o muro ruiu, esse pedreiro fortificará o muro às suas custas.”

Lembram-se do “olho por olho, dente por dente”? Pois é...

Já na idade média vemos relações de direito do consumidor, ligadas principalmente à garantia de qualidade de equipamentos de combate por parte das corporações de ofício, pois, com o avanço tecnológico, tais equipamentos se tornavam cada vez mais complexos e propensos à falhas.
Dentro de uma visão mais moderna, os Estados Unidos da América são, sem dúvidas o berço das regras atuais para as relações de consumo. Isso desde o final do século de XIX, com grande evolução das leis aplicadas, partindo da Lei Sherman, editada em 1872, cuja finalidade era reprimir as fraudes praticadas no comércio, além de coibir práticas comerciais tidas como desleais a exemplo da combinação de preços e os monopólios, até a mensagem emitida pelo Presidente John Kennedy ao Congresso Americano, em 15 de março de 1962, sendo este o grande marco do direito consumerista a nível mundial.
Não por menos, nesta data é comemorado o “Dia Mundial do Consumidor”.
Tal mensagem afirmava em suma que “consumidores somos todos nós”, já que a todo o momento participamos de diversas relações de consumo, constituindo os consumidores o maior grupo atuante dentro do sistema econômico americano, sendo afetados direta e indiretamente por todas as decisões econômicas tanto da esfera pública quanto da esfera privada.
No entanto, mesmo com tamanha importância, este seria o grupo da economia com menos organização e, por isso, nunca teria suas necessidades devidamente atendidas. Assim, pedindo atenção do Congresso Americano a este grupo, Kennedy elencou uma série de direitos fundamentais dos consumidores norte-americanos: Direito à saúde e segurança; Direito à informação; Direito à escolha; e Direito de ser ouvido.
Seguindo o mesmo caminho, a Europa, principalmente após a 2ª Guerra Mundial, em decorrência do avanço do capitalismo na região, com a expansão de seus mercados consumidores, também viu a necessidade de criação de mecanismos e órgãos de defesa do consumidor.
Naturalmente aqui mencionamos apenas alguns marcos da defesa do direito consumidor. Existindo dezenas de iniciativas de proteção ao consumidor em solo europeu, principalmente na França, Itália, Suécia e Inglaterra.
Em especial, destacamos a Carta dos Consumidores, criada pela OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico Europeu), em 1976, o que foi o primeiro documento oficial europeu a tratar exclusivamente de Direito do Consumidor.
No entanto, vamos abordar as normas consumeristas espanholas, portuguesas e alemãs as quais contribuíram em muitos pontos para a formação do sistema brasileiro atual.
No sistema espanhol, o artigo 10 da Lei General para “la Defesa de los Consumidores y Usuários” disciplina a aplicação do princípio da boa-fé nos contratos de consumo, umas das bases fundamentais do nosso Código de Defesa do Consumidor.
De igual forma, em Portugal, o Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, proíbe cláusulas contratuais contrárias à boa-fé e o Código Civil português, em seu artigo 227, dispõe que devem proceder segundo as regras de boa-fé, prevendo, ainda, a reparação por ato ilícito por parte de quem culposa ou dolosamente causar danos à outra parte.
Já o sistema alemão inspira o sistema brasileiro, principalmente em seu Código Civil e na Lei das Condições Gerais dos Negócios (AGB-Gesetz) que além do princípio da boa-fé, estabeleceu mecanismos para combater a vantagem indevida nas relações de consumo.
Tais movimentos consumeristas tanto, nos Estados Unidos quanto na Europa, fizeram a ONU estabelecer, em 1985, através da Resolução nº 39/248, o princípio da vulnerabilidade do consumidor, reconhecendo-o como a parte mais fraca na relação de consumo, e tornando-o merecedor de tutela jurídica específica, exemplo que foi seguido pela legislação consumerista brasileira e de vários outros países em desenvolvimento.
Acompanhando a tendência mundial, ainda em 1985, foi editada a Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), a qual visa a proteção dos interesses difusos da sociedade, sendo, ainda neste mesmo ano criado o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, mas antes de disso e da Constituição de 1988, tivemos outros dispositivos que já traziam em seu conteúdo as bases de nossa legislação consumerista própria, mesmo que de forma esparsa.
Podemos citar como exemplos desta legislação o Decreto-Lei 869 de 1938, que versa sobre os crimes contra a economia popular, o Decreto-Lei 22.626 de 1943 (Lei de Usura) que, dentro de suas limitações e da visão da época, iniciou o direito consumerista brasileiro.
Dentro desta linha evolutiva, tivemos ainda a Lei Delegada 4 de 1962 que estabeleceu normas de intervenção estatal no domínio econômico, buscando garantir a distribuição de produtos de primeira necessidade à população como um todo. Assim, ao puxar para si tal responsabilidade, o Estado Brasileiro passou a intervir diretamente na relação estabelecida entre consumidores e fornecedores de bens e serviços.
Ainda em 1962, com a Lei 4.137, conhecida como Lei de Repressão do Poder Econômico, foram alcançadas pequenas conquistas para os consumidores, dentre estas merecendo destaque a criação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, o qual funciona até os dias atuais.
Mesmo com alguns avanços tímidos, somente com a Constituição Federal de 1988, a proteção aos consumidores recebeu a atenção devida passando a estar expressamente prevista no art. 5º, XXXII, onde ficou disciplinado que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.” Sendo ainda previsto no artigo 48 da ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), que dentro de 120 dias após a promulgação da nova constituição seria elaborado nosso Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, como mencionado inicialmente, somente em 11 de setembro de 1990 foi promulgado o nosso Código de Defesa do Consumidor, tendo este entrado em vigor apenas em 11 de março de 1991, ou seja, quase 30 anos após a declaração de Kennedy ao Congresso Americano e entre 15 e 20 anos após o início dos principais movimentos europeus no estabelecimento de normas de defesa dos direitos dos consumidores. Ou seja, estávamos bem atrasados.
Contudo, o nosso CDC é um marco dentro de nosso ordenamento jurídico e reflete os anseios da sociedade em nosso período de redemocratização, com o fortalecimento das entidades não governamentais, diante do clamor social para a regulamentação dos direitos sociais, principalmente no que se refere ao estabelecimento de condições mais favoráveis aos consumidores frente aos fornecedores de bens e serviços.
Ainda dentro deste visão que busca diminuir a vulnerabilidade, foram criados órgãos de proteção ao consumidor que tem importante papel na garantia de direitos, atuando principalmente contra o abuso do poder econômico.
Dentre estes deve ser destacada a atuação do Ministério Público do Consumidor e do PROCON os quais têm uma grande importância na defesa de interesses individuais e transindividuais, coletivos e difusos, além, é claro da atuação judiciária, principalmente com a criação dos Juizados Especiais, através da Lei 9.099/95.
A história da defesa dos consumidores, parte mais fraca nas relações de consumo, não para com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, ou mesmo na atuação dos órgãos de proteção ao consumidor, ela está em constante evolução, sendo fruto de lutas diárias no estabelecimento de melhores condições para as relações de consumo.
Porém, tais relações em muitos casos estão longe de ser pacíficas, como exemplo temos as instituições bancárias as quais mantiveram-se fora da esfera de influência do Código de Defesa do Consumidor até o ano de 2006, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que as atividades bancárias também deveriam ser regidas pelo CDC.
Hoje em dia, mesmo com o estabelecimento de uma das melhores legislações do mundo para defesa do consumidor e mesmo com uma rede ampla de defesa, formada pelo Ministério Público, órgãos de defesa do consumidor e também por nosso Judiciário, o Brasil ainda se destaca no número de violações contra os direitos dos consumidores.