
Para melhor entender as conquistas
do direito do consumidor, devemos analisar o contexto histórico das
relações jurídicas entre consumidores e fornecedores de bens e
serviços que culminou com o nosso atual Código de Defesa do
Consumidor, o qual fora instituído pela Lei nº 8.078 de 11 de
setembro de 1990.
Mas para chegar neste ponto, devemos
voltar um pouco no tempo, cerca de 2.800 a.C., para citar o famoso
Código de Hamurabi, ainda na época do Império Babilônico, o qual
estabelecia regras extremamente rígidas para proteção daqueles que
adquiriam bens e serviços.
Como exemplo, podemos citar os
artigos 229 e 233, os quais assim previam:
“Art. 229 – Se um pedreiro
edificou uma casa para um homem mas não a fortificou e a casa caiu e
matou seu dono, esse pedreiro será morto.”
“Art. 233 – Se um pedreiro
construiu uma casa para um homem e não executou o trabalho
adequadamente e o muro ruiu, esse pedreiro fortificará o muro às
suas custas.”
Lembram-se do “olho por olho,
dente por dente”? Pois é...
Já na idade média vemos relações
de direito do consumidor, ligadas principalmente à garantia de
qualidade de equipamentos de combate por parte das corporações de
ofício, pois, com o avanço tecnológico, tais equipamentos se
tornavam cada vez mais complexos e propensos à falhas.
Dentro de uma visão mais moderna,
os Estados Unidos da América são, sem dúvidas o berço das regras
atuais para as relações de consumo. Isso desde o final do século
de XIX, com grande evolução das leis aplicadas, partindo da Lei
Sherman, editada em 1872, cuja finalidade era reprimir as fraudes
praticadas no comércio, além de coibir práticas comerciais tidas
como desleais a exemplo da combinação de preços e os monopólios,
até a mensagem emitida pelo Presidente John Kennedy ao Congresso
Americano, em 15 de março de 1962, sendo este o grande marco do
direito consumerista a nível mundial.
Não por menos, nesta data é
comemorado o “Dia Mundial do Consumidor”.
Tal mensagem afirmava em suma que
“consumidores somos todos nós”, já que a todo o momento
participamos de diversas relações de consumo, constituindo os
consumidores o maior grupo atuante dentro do sistema econômico
americano, sendo afetados direta e indiretamente por todas as
decisões econômicas tanto da esfera pública quanto da esfera
privada.
No entanto, mesmo com tamanha
importância, este seria o grupo da economia com menos organização
e, por isso, nunca teria suas necessidades devidamente atendidas.
Assim, pedindo atenção do Congresso Americano a este grupo, Kennedy
elencou uma série de direitos fundamentais dos consumidores
norte-americanos: Direito
à saúde e segurança; Direito à informação; Direito à escolha;
e Direito de ser ouvido.
Seguindo o mesmo caminho, a Europa,
principalmente após a 2ª Guerra Mundial, em decorrência do avanço
do capitalismo na região, com a expansão de seus mercados
consumidores, também viu a necessidade de criação de mecanismos e
órgãos de defesa do consumidor.
Naturalmente aqui mencionamos apenas
alguns marcos da defesa do direito consumidor. Existindo dezenas de
iniciativas de proteção ao consumidor em solo europeu,
principalmente na França, Itália, Suécia e Inglaterra.
Em especial, destacamos a Carta dos
Consumidores, criada pela OCDE (Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico Europeu), em 1976, o que foi o primeiro
documento oficial europeu a tratar exclusivamente de Direito do
Consumidor.
No entanto, vamos abordar as normas
consumeristas espanholas, portuguesas e alemãs as quais contribuíram
em muitos pontos para a formação do sistema brasileiro atual.
No sistema espanhol, o artigo 10 da
Lei General para “la Defesa de los Consumidores y Usuários”
disciplina a aplicação do princípio da boa-fé nos contratos de
consumo, umas das bases fundamentais do nosso Código de Defesa do
Consumidor.
De igual forma, em Portugal, o
Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro de 1985, proíbe cláusulas
contratuais contrárias à boa-fé e o Código Civil português, em
seu artigo 227, dispõe que devem proceder segundo as regras de
boa-fé, prevendo, ainda, a reparação por ato ilícito por parte de
quem culposa ou dolosamente causar danos à outra parte.
Já o sistema alemão inspira o
sistema brasileiro, principalmente em seu Código Civil e na Lei das
Condições Gerais dos Negócios (AGB-Gesetz) que além do princípio
da boa-fé, estabeleceu mecanismos para combater a vantagem indevida
nas relações de consumo.
Tais movimentos consumeristas tanto,
nos Estados Unidos quanto na Europa, fizeram a ONU estabelecer, em
1985, através da Resolução nº 39/248, o princípio da
vulnerabilidade do consumidor, reconhecendo-o como a parte mais fraca
na relação de consumo, e tornando-o merecedor de tutela jurídica
específica, exemplo que foi seguido pela legislação consumerista
brasileira e de vários outros países em desenvolvimento.
Acompanhando a tendência mundial,
ainda em 1985, foi editada a Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil
Pública), a qual visa a proteção dos interesses difusos da
sociedade, sendo, ainda neste mesmo ano criado o Conselho Nacional de
Defesa do Consumidor, mas antes de disso e da Constituição de 1988,
tivemos outros dispositivos que já traziam em seu conteúdo as bases
de nossa legislação consumerista própria, mesmo que de forma
esparsa.
Podemos citar como exemplos desta
legislação o Decreto-Lei 869 de 1938, que versa sobre os crimes
contra a economia popular, o Decreto-Lei 22.626 de 1943 (Lei de
Usura) que, dentro de suas limitações e da visão da época,
iniciou o direito consumerista brasileiro.
Dentro desta linha evolutiva,
tivemos ainda a Lei Delegada 4 de 1962 que estabeleceu normas de
intervenção estatal no domínio econômico, buscando garantir a
distribuição de produtos de primeira necessidade à população
como um todo. Assim, ao puxar para si tal responsabilidade, o Estado
Brasileiro passou a intervir diretamente na relação estabelecida
entre consumidores e fornecedores de bens e serviços.
Ainda em 1962, com a Lei 4.137,
conhecida como Lei de Repressão do Poder Econômico, foram
alcançadas pequenas conquistas para os consumidores, dentre estas
merecendo destaque a criação do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica – CADE, o qual funciona até os dias atuais.
Mesmo com alguns avanços tímidos,
somente com a Constituição Federal de 1988, a proteção aos
consumidores recebeu a atenção devida passando a estar
expressamente prevista no art. 5º, XXXII, onde ficou disciplinado
que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.”
Sendo ainda previsto no artigo 48 da ADCT (Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias), que dentro de 120 dias após a
promulgação da nova constituição seria elaborado nosso Código de
Defesa do Consumidor.
No entanto, como mencionado
inicialmente, somente em 11 de setembro de 1990 foi promulgado o
nosso Código de Defesa do Consumidor, tendo este entrado em vigor
apenas em 11 de março de 1991, ou seja, quase 30 anos após a
declaração de Kennedy ao Congresso Americano e entre 15 e 20 anos
após o início dos principais movimentos europeus no estabelecimento
de normas de defesa dos direitos dos consumidores. Ou seja, estávamos
bem atrasados.
Contudo, o nosso CDC é um marco
dentro de nosso ordenamento jurídico e reflete os anseios da
sociedade em nosso período de redemocratização, com o
fortalecimento das entidades não governamentais, diante do clamor
social para a regulamentação dos direitos sociais, principalmente
no que se refere ao estabelecimento de condições mais favoráveis
aos consumidores frente aos fornecedores de bens e serviços.
Ainda dentro deste visão que busca
diminuir a vulnerabilidade, foram criados órgãos de proteção ao
consumidor que tem importante papel na garantia de direitos, atuando
principalmente contra o abuso do poder econômico.
Dentre estes deve ser destacada a
atuação do Ministério Público do Consumidor e do PROCON os quais
têm uma grande importância na defesa de interesses individuais e
transindividuais, coletivos e difusos, além, é claro da atuação
judiciária, principalmente com a criação dos Juizados Especiais,
através da Lei 9.099/95.
A história da defesa dos
consumidores, parte mais fraca nas relações de consumo, não para
com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, ou mesmo na
atuação dos órgãos de proteção ao consumidor, ela está em
constante evolução, sendo fruto de lutas diárias no
estabelecimento de melhores condições para as relações de
consumo.
Porém, tais relações em muitos
casos estão longe de ser pacíficas, como exemplo temos as
instituições bancárias as quais mantiveram-se fora da esfera de
influência do Código de Defesa do Consumidor até o ano de 2006,
quando o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que as atividades
bancárias também deveriam ser regidas pelo CDC.
Hoje em dia, mesmo com o
estabelecimento de uma das melhores legislações do mundo para
defesa do consumidor e mesmo com uma rede ampla de defesa, formada
pelo Ministério Público, órgãos de defesa do consumidor e também
por nosso Judiciário, o Brasil ainda se destaca no número de
violações contra os direitos dos consumidores.