quarta-feira, 20 de abril de 2011

Vale a pena ler

Feliz Páscoa ou cadê Bruno?


Feliz Páscoa ou cadê Bruno?

Gerivaldo Alves Neiva, Juiz de Direito, 20 de abril de 2011.

Bruno foi o protagonista da sentença “A crônica de um crime anunciado”. Esta sentença é uma das mais lidas aqui no blog, ainda hoje circula na Internet e foi objeto de reportagem no Jornal do SBT. Clique aqui para ler a sentença e aqui para assistir a reportagem.
Pois bem, Bruno cumpriu com o comando da sentença, mas não surtiu muito efeito a proposta de envolver a comunidade na solução do seu problema.
Depois de algumas tentativas, principalmente depois daquela visita que recebi de Bruno e também relatada aqui no blog, resolvi deixá-lo no meu gabinete no fórum. Sofri pressão em casa, de alguns advogados, alguns servidores e de boa parte da população. No mínimo, diziam que eu estava criando cobra para me roubar. Decidi assumir todos os riscos e fiz de Bruno uma espécie de office-boy do gabinete do juiz. Sabia claramente que não estava resolvendo os problemas de todos os adolescentes da cidade, mas podia mostrar a todos de que era possível.
No início foi difícil, pois não sabia muito como conversar com Bruno e sua exclusão social era agravada pela impossibilidade de se comunicar comigo e com as novas pessoas do seu convívio. Depois de alguns dias, descobri que Bruno tinha bom conhecimento em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e então decidi que deveria também aprender Libras para me comunicar com ele. Na verdade, ele mesmo me indicou um site na Internet e passamos a aprender juntos. Em poucos dias, Bruno era outra pessoa. Sua autoestima melhorou muito e eu passei a ser o seu interlocutor no fórum. Descobri, quase sem querer, que um de seus problemas mais graves era a exclusão que lhe causava a falta da audição e da fala.
São tantas histórias que poderia relatar com relação a nossas aventuras em Libras, mas não posso deixar de me lembrar da cara de espanto das pessoas, em plena sala de audiências, quando Bruno me perguntava, em Libras, o que estava acontecendo naquela audiência e eu lhe respondia, também em Libras, fazendo algum comentário irônico sobre a situação. Ríamos juntos da situação e também do sorriso amarelo de quem não estava entendendo nada. Outra vez, pedi a Bruno que fosse ao correio fazer um vale postal e lhe expliquei, em Libras, que a pessoa do correio deveria lhe entregar um papel comprovando o envio do valor. Depois de alguns minutos, Bruno retornou e me disse que a pessoa teria lhe dito que agora a informação segue pela Internet e não havia mais a necessidade do comprovante em papel. Não concordei com a justificativa e pedi a ele que retornasse ao correio enquanto pedia a alguém do fórum para telefonar e pedir uma explicação. Eis o que ocorreu: a pessoa do correio disse que tentou explicar a Bruno para aguardar enquanto digitava e, quando “levantou as vistas”, Bruno já tinha saído sem o comprovante, ou seja, ruído total na comunicação. Ao chegar novamente ao correio, Bruno recebeu o comprovante do vale postal e disse um tanto de impropérios à pessoa que lhe atendeu, que novamente não entendeu nada do que ele disse. A mim, Bruno disse que o palavrão mais publicável que lhe chamou foi de “burra”!!
Pois bem, são passados quase três anos e Bruno teve apenas um pequeno deslize ao ser influenciado por antigas amizades. Fora disso, tem-se mostrado extremamente inteligente e faz jus à tese de que a falta de um sentido (no caso dele, a falta de audição e da fala) termina por desenvolver os demais. Durante este período, Bruno desenvolveu bem a comunicação em Libras, ganhou uma bicicleta nova, gosta muito de jogos eletrônicos e navegar na Internet em busca de reportagens com fotografias de desastres. Frequenta minha casa, viaja em meu carro e sei conversar com ele o básico em Libras. Enfim, Bruno se tornou uma pessoa absolutamente normal e de bom convívio. Ele não fala e nem ouve, mas sua companhia é muito divertida.
Este ano, Bruno retornou à escola e está cursando a 6ª série. Por enquanto, disse que está difícil, mas que sua professora é muito bonita e que sabe se comunicar um pouco em Libras. Outro dia, Bruno chegou ao Fórum e me disse entusiasmado que já tinha recebido seis livros. Olhamos os livros juntos e eu lhe disse, com cara de espanto, que agora ele tinha muita coisa para estudar. Depois de algum tempo em silêncio, Bruno abriu um sorriso maroto, apontou o indicador para seu peito, depois fechou a mão esquerda em formato de copo e bateu nela com a mão direta espalmada, fazendo “top”, “top”...
A Páscoa (Pessach) é uma das festas mais importantes do calendário judaico e celebra o êxodo dos israelitas do Egito durante o reinado do faraó Ramsés II. É a passagem da escravidão para a liberdade.
Para os cristãos, a Páscoa é a celebração da ressurreição de Jesus Cristo, depois de crucificado. É também a passagem de Cristo da morte para a vida.
Assim, o sentido maior da Páscoa, seja para cristãos ou judeus, é a celebração da passagem, da liberdade... Portanto, Feliz Páscoa para todos!