José Rollemberg Leite Neto - 04/01/2011
A cada eleição é assim: um candidato se elege parlamentar com um número inacreditável de votos. Graças à confusa legislação eleitoral, leva consigo nomes pouco votados para o parlamento. Gente bem votada reclama que não foi eleita, embora ostentando mais sufrágios que os vencedores. O povo não entende o mecanismo que gera essa situação. Surgem os protestos e o sistema proporcional é posto em xeque.
Enéas Carneiro, anos atrás, viabilizou que personagens desconhecidos fossem ter assento na Câmara Federal. Desta vez foi Tiririca, um palhaço, cuja avassaladora votação permitiu a eleição de candidatos até conhecidos, mas que não se elegeriam apenas com os sufrágios próprios. A ideia que se fixou foi a de que políticos sem voto usaram um artista para atrair o eleitorado, enganando-o. Usaram as regras do jogo eleitoral para alcançar um resultado politicamente fraudulento.
Apesar disso, o mecanismo de eleição proporcional, consagrado pela Constituição de 1988, é bom. Baseia-se na premissa de que as diversas correntes de pensamento têm o direito de participar da composição dos parlamentos. Quando calibrado, tende a fortalecer os partidos.
O sistema distrital, apontado como alternativa a ele, é, em rigor, um modo majoritário de escolha. Se adotado, nas atuais circunscrições – os Estados e os Municípios – seriam feitos cortes que traduziriam as frações correspondentes aos distritos. Estes seriam tantos quantos fossem as cadeiras para o legislativo. Neles, o candidato mais votado seria eleito e representaria a comunidade respectiva.
Em tal mecânica, os políticos pesam mais que os seus grêmios partidários. É um modo interessante de seleção das cadeiras, aparentemente simples. Tem, todavia, as suas objeções. O corte dos distritos seria uma operação que exigiria remanejamento a cada censo populacional, já que as proporções de eleitores dentro de uma mesma cidade ou Estado variariam conforme a mobilidade e crescimento demográficos. O risco de tal engenharia produzir distorções é grande. O desenho distrital poderia ser deliberadamente manipulado (gerrymandering).
Além disso, a má distribuição de cadeiras, já evidente, seria acentuada. Um distrito em São Paulo deixaria ainda mais óbvia a sua desproporção em relação à dimensão de um equivalente em Roraima (malapportionment).
Imagine-se, ainda, que num determinado Estado, que elege oito deputados federais, um partido tenha 35% do eleitorado. Isso o faria ter direito a pelo menos duas cadeiras, no sistema proporcional. No entanto, nos distritos, uma média de tal ordem poderia importar derrota em todos eles.
Ademais, o debate nas eleições majoritárias tende a levar em consideração temas locais. Teses transcendentes de fronteiras regionais — como as de interesse de negros, índios, homossexuais, mulheres, aposentados etc. — poderiam ficar sem representação, porque os votos distribuídos territorialmente, muitas vezes, não fariam as maiorias distritais.
Diante de tais críticas, alguns defendem o sistema distrital misto, praticado na Alemanha e no México. Uma metade dos eleitos seria escolhida majoritariamente e outra, proporcionalmente. A opção, todavia, antes de solucionar, agravaria o problema. O pior de ambas as técnicas seria juntado. Em razão de se disponibilizar metade das vagas para a eleição majoritária, os distritos teriam de ser grandes (o que elevaria o custo das campanhas, contrariando uma das principais bandeiras dos defensores do sistema distrital).
De outro lado, a chance de as minorias possuírem representação diminuiria. Com metade das vagas disponíveis, seria mais difícil alcançar uma delas. Tudo isso sem contar que, nas alternativas pensadas, a Constituição teria de ser alterada. A curto prazo, portanto, a manutenção do sistema proporcional se impõe no Brasil.
Então, por que não aprimorá-lo? Antes de se pensar em listas fechadas, que retiram do eleitor a chance de escolher diretamente o seu representante, há coisas mais simples a se cogitar. A extinção das coligações proporcionais, por exemplo. Ela pode ser feita mediante alteração legislativa ordinária. Ajudaria a diminuir a gravidade das mazelas do sistema político brasileiro.
De fato, embora referidas na Constituição, as coligações podem ser interpretadas como necessariamente majoritárias. Essas, sim, fazem sentido. Formar maioria exige alianças. As coligações proporcionais não têm qualquer razão de ser. Sobretudo agora, depois de o Supremo Tribunal Federal determinar que o suplente do partido deve ser chamado a ocupar o assento do parlamentar que renunciou ou que foi convocado para um cargo público.
A sucessão e a substituição dessa cadeira pertenciam à coligação, mas o STF mudou essa diretriz. Agora o mandato é sempre do partido. A coligação proporcional é um artifício eleitoral insustentável racionalmente. Existe só para as eleições. Em nada ajuda na governabilidade ou na sustentabilidade democrática. Sua extinção depuraria o sistema político brasileiro. Seria o fim das legendas de aluguel, desprovidas de conteúdo ideológico, que servem, basicamente, para majorar o tempo de rádio e TV para os partidos maiores e para albergar candidatos que só possuem viabilidade no regime de coligações, pois não representam proposta alguma.
A extinção da coligação proporcional simplifica a lista dos beneficiários de cada voto. Sem coligações, o eleitor passa a votar em um time que ele pode identificar. Será mais fácil ele perceber que, votando num Enéas ou Tiririca, corre o risco de eleger um colega de partido dele. Seria um progresso nada desprezível.
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